quarta-feira, 29 de julho de 2009

FIM DO RESSENTIMENTO: SEGURANÇA PÚBLICA SEM PRECONCEITO

Jorge Tassi.
Prof. Coordenador de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Cantareira
Professor da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo
Pesquisador do Centro de Estudos em Segurança e Defesa da Escola Superior de Direito Constitucional.


Recordo-me saudosamente de 1994, não apenas pelos anos que se passaram, mas pela importância de um fato, que marcou os que se seguiram. Eu era Aspirante da Polícia Militar do Estado de São Paulo e fui chamado para um evento junto ao Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, com a presença, entre outros, dos estudantes daquela magnífica instituição, da Pastoral da Criança e do Adolescente e de policiais civis e militares, incumbindo ao eterno amigo Paulo de Tarso Augusto (que era Coronel da PM e infelizmente deixou-nos nesta vida) nos representar diante da sociedade civil.
A imagem da Polícia Militar era péssima, o “111 do Carandiru” e a foto de uma policial colocando a arma na boca de uma criança na Praça da Sé estavam à flor da pele e, o que era para ser um encontro de planejamento, de construção, se transformou num palco de não apenas injúrias e calúnias, mas de ressentimento e preconceitos recíprocos. A Academia não aceitou que um “Coronel” assumisse um lugar à mesa e discutisse os direitos da criança e do adolescente com segmentos responsáveis, acusou e julgou a instituição que, ainda hoje, é responsável pela prevenção de crimes. Não era sem motivo, a Polícia Militar ou Civil também acusava e, apesar de não ser sua missão, julgava os cidadãos, aplicando penas severas para os que não se comportavam dentro das “conformidades” (conformidade – qualidade de um comportamento dentro do esperado pelo detentor do poder).
O Padre Julio Lancelotti tentava resfriar os ânimos exaltados e alinhar uma discussão, mas não teve jeito, a reunião não fluiu e nada de proveitoso foi discutido. Os direitos das crianças e dos adolescentes ficaram de lado mais uma vez. Sempre, quando a inconsciência assume o lugar da razão, a violência impera sobre a dignidade – não é verdade que chumbo trocado não dói, só que dói para ambos – e foi isso que aprendi naquela tarde chuvosa, que a vingança não resolve problemas, que a violência não vai curar a violência e que o diálogo é a minha única “fé”, como método de mudança da sociedade, mas somente vai acontecer quando superarmos os dois mais difíceis obstáculos que o homem já conheceu: o ressentimento no coração e o preconceito no espírito.
A ditadura ainda faz suas vítimas e isso é fácil provar. Primeiramente, analisemos as seguintes questões: Quantas pessoas possuem acesso fácil e com qualidade aos aparelhos públicos de saúde? Quantas crianças possuem ensino público fundamental ou médio de qualidade? Quantos cidadãos brasileiros sequer sabem o que é cidadania e “sobrevivem suas vidas” em total abandono, com fome, com frio, sem moradia e qualquer senso de higiene? Quantos eleitores sabem o nome ou partido do seu candidato na última eleição para deputado estadual ou federal e, principalmente, acompanharam o que fizeram por suas comunidades durante o mais de dois anos de mandato?
Essa é a ditadura da democracia, que até permite a liberdade de expressão, consagrada como um dos direitos individuais e fundamentais do artigo 5º da Constituição de 1988, diferentemente dos atos institucionais do regime militar. Acredito que não podemos esperar que o Estado faça da Constituição uma “Lei Viva”, capaz de mudar a realidade. Nós podemos mudar a realidade! Imaginemos um mundo em que seja possível “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos” [1] e a Academia pudesse gerir diálogos entre a sociedade civil e os órgãos policiais, estudando o sistema de segurança pública em conjunto com a segurança privada, o crime e o criminoso, o Direito existente e o Direito que precisamos construir, para romper com o passado de dor e de tristeza, que fizeram de nós meros marionetes, num jogo em que a intolerância deveria expurgar os preconceitos e fazer superar o ressentimento, mas não o faz.
É hora de acabar com a ditadura em nosso coração! É hora de transformar a Segurança Pública em um estudo de todos, das Universidades, das Igrejas, das Comunidades, das Organizações Civis, da Polícia e de cada ser humano, pois todos somos vítimas das ações criminosas que semeiam a vingança e mais violência. Quando um estudioso e um cidadão derem as mãos para um policial e os três pensarem em Deus, na igualdade, na alegria, na necessidade de transformar a sociedade onde sobrevivem, nenhuma organização criminosa se levantará contra o homem, pois a força da verdade poderá percorrer calmamente o rio da virtude e não haverá espaço para fazer do mundo o que ele não nasceu para ser – um lugar para o mal, para os maus, para os injustos, para o pobres de coração, para os que resolvem os problemas com a violência, para a dor: um lugar para apenas sofrer! Quando a sociedade se unir, quando todos formos cidadãos, viveremos num lugar seguro e teremos um mundo melhor!


[1] Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988 – Preâmbulo.

2 comentários:

  1. Parabéns Prof. Tassi.

    Excelente artigo. Este Blog está cada dia melhor. Um grande abraço da sempre amiga,

    Luciene Felix

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  2. Muito bom professor Tassi. Ficou legal mesmo.

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Gratos por seu comentário.